Sabe aquela frase “O rock morreu?”. Então, ela é ouvida a cada ano, quase acompanhada da constatação de que cantores e bandas do passado, como David Bowie e Rolling Stones, serão sempre melhores do que a música atual.
Para quem tem mais de 40 anos, isso pode até fazer sentido. Afinal, nosso gosto é muito baseado nas referências a que fomos expostos durante a infância e a juventude.
Sem julgar o mérito de qualidade sonora, essa frase representa uma ameaça a inovação, principalmente quando se fala na hora do cafezinho das empresas.
“Se colocar nessa condição significa que você está estreitando o modo como encara a vida”, diz Charles Henrique Schweitzer, líder de inovação da Leroy Merlin, varejista de produtos para casa e construção. “Para inovar, precisamos ter um mindset aberto para se permitir conhecer coisas novas.”
E como trazer conceitos abstratos da psicologia para atividades práticas a fim de inovar?
Dois fatores são importantes.
Primeiro: nenhuma equipe de inovação cria, sozinha, inovações. Sua função primordial é captar problemas de negócios e objetivos estratégicos.
Assim poderá, posteriormente, escolher metodologias, como o design thinking, e convidar outras áreas do negócio e parceiros externos para crocriar novas soluções.
O segundo ponto é que precisamos diferenciar o que são inovações disruptivas e incrementais. A primeira é aquela que causa transformações de mercados e de comportamentos. A segunda é aquela que melhora algo já existente.
Um exemplo é o celular. O primeiro protótipo funcional, criado em 1973, pesava quase um quilo, media 25 centímetros e a bateria durava 20 minutos, sendo necessárias dez horas para recarregá-la.
Mais de 40 anos depois, temos celulares que com tantas funcionalidades que se tornaram uma extensão do nosso corpo.
PEQUENAS IDEIAS, GRANDES GANHOS
A Leroy Merlin entende bem os dois conceitos primários de inovação.
Em 2017, a empresa lançou o Projeto INOVA, uma plataforma online que capta ideias de melhorias em processos, produtos e serviços. Qualquer pessoa pode dar sugestões, desde funcionários a diretores de empresas fornecedoras. Em menos de dois anos, a empresa recebeu mais de 2.500 ideias.
Para filtrar as opções, há um fluxo de avaliação. Se a ideia tiver 80 “likes” na plataforma, que funciona como uma rede social, o palpiteiro ganha um brinde (uma caneta elétrica, uma caneta 3D ou um mini drone). Ao mesmo tempo, a ideia passa a ser considerada pela equipe de inovação da Leroy.
Na fase seguinte, se a ideia for aprovada internamente, seu autor ganha R$ 500,00 em vale-compras. E aí começa o fluxo de prototipagem.
Em agosto, a Leroy Merlin escolhe as dez melhores ideias do ano. O vencedor ganha mais R$ 2 mil reais em vale-compras.
Há ideias que passam longe da tecnologia. Uma delas veio de um vendedor da unidade de Bangu, no Rio de Janeiro.
Ele implementou a figura do Capitão de Atendimento.
Funciona assim: quando o funcionário estiver usando uma faixa de capitão, similar à do futebol, seu foco será atender.
Ele não poderá repor produtos nas gôndolas, trocar etiquetas, nem conferir estoque.
A ideia custou R$ 30 e teve impacto de quatro pontos percentuais na nota de satisfação do cliente.
Outra ideia que virou processo praticamente não teve custo.
Um funcionário percebeu que os consumidores tinham dificuldade, após a compra, de acomodar produtos de grande porte em seus automóveis. Eles acabavam improvisando na hora com caixas de papelão e fitas.
O funcionário, então, sugeriu que itens de marca própria de amarração de cargas fossem posicionados na área de retirada de mercadorias. Resultado: crescimento de 181% em vendas naquela linha de produtos.
Há também ideias tecnológicas. Uma delas foi a de Agendamento Online. Pela internet, o consumidor descreve sua dúvida e escolhe um dia e horário para reservar um funcionário para atendimento exclusivo.
O serviço tem sido utilizado principalmente por profissionais de arquitetura e construção civil, que precisam fazer grandes compras para os projetos de seus clientes, os donos e donas de casa.
Um caso curioso ocorreu em uma unidade de Porto Alegre. Um consumidor havia quebrado a perna jogando futebol dias antes da escolha do piso para seu novo apartamento.
Para poder acompanhar a esposa pelos corredores da loja, ele, sem poder andar, pediu um carrinho elétrico. A empresa providenciou. Nem é necessário falar o tamanho da satisfação do cliente, certo?
“O serviço demonstrou, na prática, que poderia ser um forte elemento de fidelização”, diz Schweitzer. “Nem imaginávamos que isso poderia acontecer”.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Desde abril do ano passado, a central de atendimento da Leroy Merlin possui uma nova funcionária.
Batizada de Lia, o chatbot (robô de atendimento) utiliza inteligência artificial para tirar dúvidas desde a localização e horários de funcionamento de lojas (algo que costuma congestionar as centrais telefônicas) até questões relacionadas a diferenças entre porcelanato e cerâmica.
Em menos de um ano, o trabalho da Lia atingiu o nível de equivalência de 26 pessoas. Hoje, a inteligência artificial tem sido integrada a outros sistemas da empresa, como RH e Suporte de Ti. Assim, ela também consegue responder dúvidas de funcionários.
Questionado sobre como imagina a atuação da Leroy Merlin nos próximos meses, numa área de varejo omnichannel, Schweitzer é enfático. Não haverá o fim do varejo físico, mas sim uma transformação cada vez mais para criar um ambiente de conveniência e experiência.
“Não queremos uma loja física e online”, diz ele. “Mas sim uma plataforma que integra os dois mundos para consolidar a mais completa marca em melhorias para o lar.”