A regra do rotativo do cartão de crédito que limita o uso dessa linha por mais de um mês não foi suficiente para reduzir seu uso nem a inadimplência de consumidores. Há dois anos, instituições financeiras foram obrigadas pelo BC (Banco Central) a reduzir o tempo que deixavam consumidores rolando a dívida no cartão de crédito.
A expectativa era que a medida reduzisse o número de calotes e, por consequência, abrisse espaço para cortes nos taxas de juros cobradas. Na época, o rotativo do cartão de crédito tinha o maior custo do sistema financeiro. Os juros efetivamente passaram por uma redução. A taxa média caiu da faixa de 500% ao ano para os atuais 300%.
Mensalmente, porém, ingressa no rotativo o mesmo volume de recursos, ou seja, de pessoas que não têm dinheiro para quitar integralmente a fatura, pagam apenas uma parte da dívida e pedalam o saldo para o mês seguinte.
Também é parecido o volume que vai imediatamente para calote, quando o cliente não paga nem o valor mínimo. “O rotativo tem essa característica de curtíssimo prazo. Não vejo como problema o fato de ele não ter caído, mas como oportunidade de explicar que clientes têm outras opções que podem ser escolhidas antes”, diz Marcelo Kopel, diretor de cartões do Itaú.
Entrar no rotativo continua sendo um indicativo de que o consumidor terá dificuldade de quitar a dívida: a inadimplência segue ao redor de 35%, o mais alto percentual do mercado. É maior que o calote do cheque especial (13%), que atualmente tem o juro mais elevado —322% ao ano.
Os bancos afirmam que parte do alto spread (a diferença entre o custo para captar recursos e o juro cobrado
em empréstimos a clientes) se deve à necessidade de cobrir a elevada inadimplência. Linhas com maiores perdas por calotes deveriam, portanto, ter juros mais caros.
A redução do juro do rotativo ocorreu descolada da inadimplência, logo após a adoção das novas regras. “A medida do BC não foi feita para reduzir inadimplência. Foi feita com a expectativa de que a queda na inadimplência poderia levar à queda do juro”, afirma Ricardo Vieira, presidente da Abecs (associação da indústria de cartões).
“Como houve uma migração forte para o parcelamento, que tem taxa e inadimplência menores, isso viabilizou a taxa de juros no patamar que está. Ela é a necessária para manter o equilíbrio”, diz ele.
A migração forçada para o parcelamento fez o uso da linha dobrar em dois anos. Na prática, os bancos conseguem cobrar juros sobre um volume maior de crédito. Com isso, compensam a virtual perda de receita que era gerada
sobre o rotativo, mesmo com calotes.
Também houve alta sistemática do juro médio cobrado de clientes que parcelam a fatura: fechou março com custo médio de 178% ao ano. Os juros, também considerados elevados, contrastam com a inadimplência dessa linha, que é de apenas 3,2%. É a mesma registrada em financiamento a veículos, mas quem toma crédito para comprar um carro paga, em média, juros de 21,4% ao ano.
Vieira diz que a discrepância ocorre pela natureza do uso do cartão de crédito no país. O banco oferece o limite de crédito para clientes no cartão, que só pagam juros sobre 25% do valor usado do limite. Os outros 75% são compras à vista, pagas no vencimento da fatura, e parcelamentos em 10 vezes sem juros. Em outros países, como Estados Unidos, a proporção é inversa.
“Se olhar 100% do volume transacionado, estamos falando de juro de 4,4% ao mês, mas só 25% é financiado”, sustenta o executivo da Abecs.
Além da receita de juros, os bancos ganham ainda um percentual de cada compra feita pelos consumidores e com a anuidade do cartão. A indústria defende também que a estabilidade do uso do rotativo indicaria na verdade, proporcionalmente, uma redução do uso dessa modalidade, já que o uso do cartão de crédito está crescendo.
Nos resultados do primeiro trimestre deste ano, os quatro grandes bancos de capital aberto do país (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) mostraram alta nas concessões de crédito via cartão. Isso indica que as instituições estão mais dispostas a financiar clientes pela linha, apesar de ser mais arriscada.
“Não se pode pensar que o cartão é usado para consumo de supérfluos. Hoje, de 80% a 90% da fatura são de coisas que têm para pagar do dia a dia”, afirma Wellington Lopes de Souza, professor de finanças do Ibmec SP.
Fonte: Folha de São Paulo