Em meio a um cenário especialmente desafiador, com restrições de circulação de pessoas nos shoppings e ruas das cidades em razão da pandemia de Covid-19, o varejo brasileiro experimentou um aumento expressivo do comércio eletrônico nos últimos meses, notado principalmente nos resultados dos canais digitais. Apesar do forte crescimento, o alcance do e-commerce no País ainda é relativamente baixo. Análises de mercado** do segundo trimestre de 2020 apontam que o comércio online representa aproximadamente 5% das vendas do varejo brasileiro.
Na digitalização do varejo nacional observada recentemente, o WhatsApp emergiu como ferramenta fundamental em uma jornada de compras cada vez mais personalizada. No Brasil, a plataforma de comunicação é muito popular e, entre as pessoas que participaram de uma pesquisa realizada pela Accenture em parceria com o Facebook, 99% disseram que usam o aplicativo de mensagens com frequência e não pretendem deixar de usá-lo. É natural, portanto, que os consumidores vejam o WhatsApp como um meio fácil, familiar, flexível e conveniente de se fazer compras, e que os varejistas encontrem nele uma forma de se aproximar de seus clientes e potenciais clientes.
É o aprofundamento de um hábito de consumo que tem crescido e já é muito relevante entre os brasileiros. A pesquisa revelou que 83% utilizam o WhatsApp em alguma parte da jornada de compras de produtos e serviços. Com esse percentual, o Brasil lidera junto com Chile esse alcance na América Latina. Em seguida vem Peru (77%), Colômbia (74%), Argentina (71%) e México (53%).
No Brasil, este alto índice é visto sem grande variação entre homens e mulheres, distintos níveis sociais e nas diversas faixas etárias. Isso funciona tanto para o comércio local, pequenos estabelecimentos e profissionais independentes, quanto para as grandes redes varejistas e, por isso, o nível de sofisticação no atendimento via aplicativo varia muito. Em alguns comércios, são os próprios vendedores ou gerentes que interagem com os clientes; em outros, o atendimento é feito por chatbots. Para algumas lojas, o WhatsApp é apenas um recurso para propaganda ou tracking de pedidos, enquanto outras conseguem usar a plataforma até para conclusão da venda.
Compras personalizadas e flexibilidade
Entre os consumidores que já utilizam o WhatsApp em alguma fase da jornada de compras, ele tem papel versátil. Em média o brasileiro compra cerca de seis categorias, que vão de roupas, produtos de beleza e alimentos frescos até eletroeletrônicos e cursos online. Nossa pesquisa apontou que o aplicativo ajuda os consumidores a criarem uma rotina de compras personalizada. Mais da metade das pessoas fazem compras pelo aplicativo ao menos uma vez por semana – é o caso, por exemplo, de consumidores que se habituaram a conversar com o feirante pelo WhatsApp na busca de alimentos frescos sem a necessidade de sair de casa. “Se eu puder falar diretamente com o vendedor posso ser específica com as coisas que quero”, disse uma das entrevistadas pela pesquisa. “No site, não consigo especificar muito. Por WhatsApp, consigo fazer uma compra como se estivesse presente.”
Vestuário esteve entre as mais citadas nas mais de 20 categorias de produtos adquiridos e serviços contratados identificadas pela pesquisa. A interação via WhatsApp permitiu o surgimento de um novo comportamento: pelo aplicativo, por exemplo as pequenas lojas que mapeiam os gostos de cada cliente e enviam uma mala com peças novas e personalizadas para que eles tenham a opção de experimentá-las em casa, sem compromisso de fechar a compra. Se gostar de algo, o cliente realiza o pagamento e devolve para a loja, na mesma mala, os artigos que não quis.
Flexibilidade, aliás, é uma qualidade intrínseca ao WhatsApp e isso se reflete diretamente na jornada de compras. Segundo os usuários entrevistados, a conversa pelo aplicativo abre espaço para esclarecer dúvidas, negociar preços e condições de pagamento, consultar prazos de entrega e pedir recomendações para amigos e familiares. Desde o início, a pesquisa mostra que essa é uma jornada bastante apoiada em canais digitais, sobretudo para os consumidores mais jovens. A maioria dos respondentes (68%) começou a usar o WhatsApp nas compras depois da divulgação do serviço nas redes sociais. Parte deles também encontrou o contato depois de visitar o site da loja ou receber mensagens de um vendedor. Um outro caminho bastante comum para o início da jornada é por meio da divulgação do número do WhatsApp em cartazes nas lojas físicas, cenário cada vez mais normal hoje em dia e que ficou muito visível nas ruas comerciais durante o isolamento.
Como resultado de experiências positivas, a maioria dos consumidores compartilha de um sentimento de confiança no aplicativo. Essa confiança aparece refletida na recomendação do WhatsApp como canal de compras para os amigos (61% dos usuários deram notas de 9 a 10) e nos apenas 7% dos respondentes dizendo sentir-se inseguros ao realizar compras pelo aplicativo. Isso abre uma janela de oportunidades enorme para os varejistas, já que, dentre os que não compram via WhatsApp, a maioria disse estar disposta a usá-lo no curto prazo se lhe fosse oferecida essa opção.
Desafios para os varejistas – Ainda assim, há uma série de desafios que os varejistas precisam endereçar para melhorar a experiência do consumidor na interação via WhatsApp. O primeiro deles é como organizar a informação de maneira a deixar claro tudo o que está na cesta de compras do cliente e quais são os dados relevantes que ele deveria ter sobre cada produto, já que, em geral, não há uma vitrine com todo o catálogo disponível como nos sites e nas lojas físicas. Além disso, os consumidores apontam para uma dificuldade na visualização de opções, menor fluidez da compra e maior dependência do vendedor.
A principal lacuna nessa experiência, no entanto, é o momento do pagamento. Ainda não existe nenhuma solução própria do aplicativo, o que faz os clientes precisarem sair da plataforma. Seja por transferência bancária, pagamento via boleto, via link de acesso à plataforma de e-commerce ou mesmo com o pagamento na entrega – as alternativas podem trazer risco e desconforto ao cliente, afetando as taxas de conversão dos varejistas.
Com o distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19, nos últimos meses, a tendência de digitalização no varejo brasileiro se acelerou e deve permanecer. Os dados da nossa pesquisa comprovam, afinal, a percepção de que o consumidor brasileiro se habituou a fazer compras pelo WhatsApp. Os varejistas, no entanto, ainda têm muito o que fazer para atender a essa demanda. Cabe a eles garantir um modelo escalável e seguro em todas as etapas, aproveitando as novas as tecnologias (inteligência artificial e robôs, por exemplo) para automatizar a maior parte do processo. Inclusive já que hoje, em alguns casos, é grande o número de vendedores interagindo via WhatsApp com clientes, levar em conta as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é muito importante.
Dada a demanda crescente por um atendimento personalizado e o novo hábito de fazer compras pelo WhatsApp, o Brasil pode estar diante de um leapfrog no modelo de compras online. O conceito se aplica ao mundo dos negócios e da tecnologia quando há um acelerado salto de desenvolvimento que pula etapas e, neste caso, pode colocar o Brasil à frente de países que se apoiam no modelo tradicional de e-commerce, com prioridade para sites de comércio eletrônico e aplicativos, sejam no computador, tablet ou celular, como acontece hoje nos EUA e na Europa. O horizonte que se vê adiante é o do modelo chinês, mais conversacional, com a integração de robôs à jornada e um atendimento sempre disponível, 24 horas por dia, sete dias por semana, com um papel de consultor e não só de vendedor – um salto e tanto para um País que fala muito, mas ainda compra pouco online.
*Costanza Gallo é diretora executiva líder de Estratégia de Varejo da Accenture América Latina.
Fonte: Consumidor Moderno