Com a pandemia, um terço dos consumidores tem comprado on-line pelo menos uma vez por semana. Outros 9%, um percentual menor, porém bastante significativo, têm comprado por esse canal todos os dias.
A pesquisa global, feita em 2020 pela empresa americana de tecnologia para o varejo Bazaarvoice com 8 mil consumidores em seis grandes mercados, aponta para uma profunda mudança de comportamento.
Muitos desses consumidores são estreantes, e fizeram a primeira compra virtual forçados pelas medidas restritivas. Só no Brasil, foram 13 milhões em 2020, ou 23% de um total de 80 milhões de clientes virtuais.
A preferência crescente tem forçado varejistas a repensarem o formato das lojas físicas já na planta, com redução da área de circulação, dedicando espaços exclusivos a centros de distribuição e atendimento para quem compra on-line – como já acontece com varejistas americanas do porte da Macy’s e Bloomingdale’s.
Com essa profunda transformação, o varejo nunca mais voltará ao normal. Mas isso é uma coisa boa, avalia o especialista em e-commerce Pedro Guasti, diretor de expansão global da startup argentina Nubimetrics.
“Enquanto alguns setores não veem a hora da normalidade voltar, dificilmente algum outro tem ido tão bem quanto o e-commerce”, diz. “Por isso, as empresas que já tinham começado a se voltar para o on-line, ou já possuíam uma estratégia digital madura, saíram em vantagem quando as lojas fecharam no início de 2020.”
Aqui no Brasil, essas mudanças começam a se desenhar na operação de varejistas como Magalu, Americanas e Via (ex Via Varejo). Com as lojas ficando menores, o sortimento diminui. Mas cresce o papel do vendedor consultor, e aumenta a área de atendimento on-line. “Bom para o cliente, pois o sortimento é infinito.”
Além do redesenho de lojas, Guasti aponta outras duas fortes tendências: o fortalecimento dos marketplaces, já que 80% de toda a venda feita pela internet hoje acontece através dessas plataformas, e os superapps.
O ecossistema inventado pelos chineses que integra produtos, serviços e meios de pagamento em um único app, que oferece conveniência e praticidade para compra e resolução de problemas, já é oferecido por varejistas mais avançados nessas tendências por aqui – de novo, Magalu e Americanas, além da Rappi e iFood.
Com a integração também dos dados no on e do off-line, fica mais fácil conhecer esse consumidor, suas preferências e necessidades do que há dois anos. “É mais conveniência, mais lugares para fazer compras… Se o mercado não volta mais para trás, imagine o que vem pela frente”, sinaliza.
A seguir, Guasti, que tem mais de 20 anos de experiência em e-commerce, foi fundador da consultoria Ebit (adquirida pela Nielsen, em 2018) e é presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da FecomercioSP, detalha um pouco mais como essas mudanças farão diferença para o varejo daqui para a frente:
A pandemia fez o varejo ‘acordar’ para o e-commerce brasileiro de uma vez por todas?
Essa preferência crescente pela compras on-line forçou os gestores a redesenharam as lojas na planta com centros de distribuição para atender tanto o estoque do e-commerce como das lojas físicas. Isso nada mais é que o omnichannel, que é basicamente atender o consumidor em todos os canais, e com todos integrados.
Parece simples, mas não é. Principalmente no varejo tradicional, que nasceu com a barriga atrás do balcão. Antes do ato de comprar e vender para o consumidor que chega na loja, há vários estágios de evolução, e quem não viu essa integração total como oportunidade, vai ficando para trás.
A loja física é mais visível. Antes, mesmo existindo loja on-line da Americanas, do Magazine Luiza, cada uma trabalhava de forma independente. O cliente ia na loja física, mas não se sabia quem ele era. Hoje, já não é mais possível levar uma semana para entregar um produto se tenho uma loja de rua na esquina da casa dele.
Fale um pouco sobre esse movimento que começou nos Estados Unidos, e em que pé está por aqui:
Com o aumento das compras pela internet, o e-commerce chegou a 20% de participação por lá. Muitos consumidores deixaram de ir aos shoppings, reservando o tempo livre para outras coisas. E as megalojas de rua da Macy’s, Bloomingdale’s ou Target passaram a não fazer sentido pelo custo de aluguel muito alto.
Como o cliente entra menos na loja, os varejistas reconsideram os espaços para que sejam menores, com área no back-office para ter estoque integrado com e-commerce e oferecer a opção pickup-in-store.
A JCPenney e Best Buy também reduziram o espaço da loja física e abriram lojas-conceito (ou flagship stores). Com menos consumidores transitando, as lojas se tornam estoques descentralizados da operação.
O Walmart também está fazendo isso, assim como a PetCo. Diversos estudos mostram outros varejistas mais bem posicionados, com avanços que já mostram outro estágio de evolução do conceito de omnichannel.
É interessante como essas empresas estão reagindo ao avanço da Amazon, que responde por 40% dos US$ 800 bi faturado pelo e-commerce nesse período, e continua crescendo muito.
Por aqui, quem está se desenvolvendo rápido é o Mercado Livre, o Magazine Luiza, claro, e a Via. Todos têm adotados estratégias diferentes que têm feito outros varejistas correrem para se posicionar.
Antes da pandemia os varejistas brasileiros já reservavam um espaço para a retirada de produtos do e-commerce (o chamado click-and-collect). Esse redesenho das lojas é uma evolução, então?
São uma evolução disso sim, porque daquele cantinho integrado com o e-commerce, onde se passava o endereço ao cliente para retirar na loja mais próxima em alguns dias, agora oferece recursos como curbside pick-up (algo como ‘coleta na calçada’), que permite retirar a compra no estacionamento ou em algum parceiro sem descer do carro, nem entrar na loja, no melhor horário e de acordo com sua conveniência.
Isso também colabora para reduzir outros custos da operação, certo?
Sim, pois faz com que os varejistas sejam mais eficientes e trabalhem de maneira mais rápida a um custo menor. Se eu pegar um produto em São Paulo para entregar em Manaus, sai caro. Mas se o produto está no CD ou na loja física integrada, agilizo o atendimento e ainda ofereço conveniência de troca e devolução.
Com a redução das lojas físicas, elas perdem importância com essas estratégias?
Não, elas mantêm a importância e se adaptam ao modelo de cada varejista. Enquanto uns reduzem o espaço físico para cortar custos e otimizar a operação, outros, como o Magalu, que também revisou o tamanho de lojas, está num momento de expansão: não estava no Rio de Janeiro, mas vai abrir 50 lojas por lá esse ano.
Outra rede que mudou a estrutura societária de olho nisso foi a Americanas: incorporou a B2W, e agora eles estão mais agressivos e rápidos no movimento e integração de lojas físicas dentro do conceito omnichannel.
A Via está dando passos largos nesse caminho, mas um pouco mais abaixo. Mas temos também a Petz, totalmente integrada e vertical com produtos pra pets. E a Cobasi, fazendo um trabalho forte neste sentido.
Depois da crise da covid, talvez não se encontre mais tanta gente comprando nas lojas físicas com maior frequência. Mas vão continuar comprando por impulso, mesmo querendo comodidade e sortimento grande.
Que outros segmentos estão avançados nesse conceito?
A Riachuelo está bastante avançada no omnichannel, e a Renner é outra empresa que tem e-commerce forte, mas com muito ainda a evoluir. A própria Hering, que tem mais de mil lojas, está bem integrada.
O Boticário, que tem mais de 4 mil lojas físicas no país, também deu passos importantes para permitir comprar e trocar dentro das lojas franqueadas. Há ainda a Natura, a pioneira das vendas diretas que transformou as vendedoras de ‘tiradoras-de-pedido’ em consultoras on-line.
Mas ainda há muito espaço para crescer, e aos poucos o varejo brasileiro vai se integrando, melhorando a gestão de produtos… E cada vez mais rápido, desenvolvendo núcleos de entrega na última milha (last mile) com parceiros que ajudam a entregar no mesmo dia se comprar até determinado horário, como já acontece com a Amazon Prime, os fullfilments do Magazine Luiza…. É um movimento que está crescendo muito rápido.
E o pequeno varejo, como fica nesse novo cenário?
Para o pequeno e o médio varejo, trabalhar sozinho é uma missão quase impossível. Números recentes do mercado apontam que 80% das vendas no Brasil são feitas via marketplaces – outra forte tendência do varejo. Ou seja, se esse pequeno não estiver em nenhum deles, vai vender só para 20%… E aí fica difícil sobreviver.
Daí entra o fortalecimento de empresas que ajudam esse seller a vender melhor (as retailtechs), que usam Big Data e Inteligência Artificial para descobrir com lupa, dentro de cada categoria, o que o consumidor busca.
Por isso a saída é o marketplace. Ele dá oportunidade ao consumidor de pesquisar avaliação de produtos, assistir live commerces, ver catálogos, conferir a reputação do lojista… Na loja física não tem isso.
A covid acelerou a digitalização e a transformação de um monte de empresas mundo afora quando ninguém podia sair. No Brasil, os 13 milhões que passaram a comprar até alimentos e produtos de limpeza on-line, tiveram uma experiência tão bacana que descobriram que podem usar o tempo livre para outras coisas.
E o e-commerce, que crescia em média 1% ao ano, pulou de 6% para 11% em 2020. Isso não para mais.
Fonte: Diário do Comércio