Sobra reflexão, mas falta transformação prática para as empresas no mercado brasileiro. A conclusão vem da pesquisa “Empresas do Futuro”, realizada pelo Grupo Cia. de Talentos junto ao GPTW (Great Place to Work). O levantamento foi criado com o objetivo de mapear as transformações digitais e organizacionais dentro das empresas que atuam no mercado brasileiro. Esta é a primeira edição e avaliou 246 companhias, dos setores de serviços, indústria, tecnologia, comércio e varejo, financeiro e saúde.
“Foi frustrante ver o quanto a gente conversa sobre o tema, mas na prática são poucas as ações”, diz Danilca Galdini, corresponsável pela pesquisa e head de insights do Grupo Cia de Talentos. “Tínhamos expectativa de retornos mais positivos.” Para Casimiro Perez, corresponsável pela pesquisa e product owner do GPTW, a sensação é parecida. “É frustrante pensar que as empresas adoram se associar às palavras da moda, como diversidade e inovação, mas nas situações práticas do dia a dia isso não é aplicado”, diz.
O estudo dividiu 246 empresas em dois perfis. No “perfil 1”, aquelas com mais de 50 funcionários e cinco anos de atuação no Brasil. No “perfil 2”, empresas com menos de 50 funcionários e menos de cinco anos de atuação. No primeiro grupo, apenas 3% têm estruturas horizontais, enquanto 82% contam com mais de um nível de gestão. No “perfil 2”, a situação não é muito diferente: apenas 9% são horizontalizadas.
“Independentemente do porte e tempo de atuação da empresa, as estruturas ainda seguem um modelo tradicional, o que está distante das tendências sobre o futuro do trabalho, que apontam para estruturas cada vez mais horizontais ou com estruturas hierárquicas enxutas, que possibilitam que a organização seja ágil”, diz o estudo. “As empresas se enganam. Dizem que estão no caminho, mas não estão. Estamos longe”, diz Danilca.
Os indicadores de sucesso e as estruturas físicas das corporações também reforçam a ideia de que há um longo percurso para o mercado brasileiro. De acordo com a pesquisa, o lucro ainda fala mais alto para as empresas que atuam no país. O foco na faturamento ainda supera outras preocupações, como satisfação dos clientes, contribuição para a sociedade e até satisfação interna da equipe. Para 44% das empresas do “perfil 1” e 37% do “perfil 2”, o indicativo mais forte de um bom ano são os resultados financeiros.
Os dados, porém, podem ajudar na busca por mudanças. “O positivo é ter essa visão real, porque sai da percepção. Com os dados, fica muito mais fácil as empresas aceitarem”, afirma Danilca. O objetivo é realizar a pesquisa anualmente, auxiliando o mercado brasileiro nesse novo momento.
Os símbolos de poder
Outra conclusão do estudo é que os símbolos de poder continuam fortes entre os empresários do país. Varia de acordo com o executivo, mas estes símbolos são detalhes como vaga privativa, sala no último andar, benefícios melhores, uniforme para níveis operacionais e até crachá diferenciado. “O fato é que a alta liderança ainda desfruta de benefícios que os funcionários em geral não têm”, diz a pesquisa.
Quando o assunto é espaço físico, 66% das empresas separam de alguma maneira as equipes operacionais da liderança—73% no “perfil 1” e 48% “no perfil 2”. “Os espaços abertos, conceito difundido nos últimos anos, foi pensado para reduzir barreiras e aumentar a criatividade. Mas o modelo foi tomado por uma insatisfação das pessoas. Independentemente do perfil da empresa, quando a escolha por espaços abertos é feita, deveria ser para todos, incluindo os executivos”, afirma o estudo.
Pessoas
Para 34% das empresas, o tema “Pessoas” é o último a entrar na pauta de uma reunião estratégica, somente após o fechamento das principais decisões ou em casos de demissão e processos trabalhistas. Mesmo assim, 22% das empresas consideram o tema uma prioridade—no “perfil 2”, o número salta para 31%. “Os bens que importarão no futuro são menos propensos a serem físicos”, observa o estudo.
A pesquisa também analisou a forma como empresas lidariam com um caso hipotético de intolerância (contra mulheres, negros, LGBT, etc) por parte de um executivo. As companhias foram questionadas sobre como reagiriam. Para 61% delas, não haveria consequências para um funcionário de alto escalão. “As pessoas esperam que as empresas participem da construção das soluções e ajam com coerência – e blindar a alta liderança não é uma maneira de resolver a questão.” Ao mesmo tempo, 47% dos pesquisados acreditam que um transexual poderia assumir a presidência da companhia sem problema algum – o que foge à realidade brasileira, na qual 90% da população trans brasileira se encontra excluída do mercado de trabalho formal, pontua a pesquisa.
Tecnologia
A pesquisa trouxe conclusões não tão animadoras no campo da adoção de novas tecnologias. Segundo o estudo, em muitos casos os equipamentos das empresas são mais ultrapassados que os notebooks e smartphones dos funcionários da companhia. Quando a questão é sobre utilização de novos softwares, quase metade (43%) afirmam que funcionários podem levar até 15 dias para receber uma resposta do seu setor de tecnologia.
Fonte: Época Negócios